JULGAMENTO DO STJ: REPERCUSSÕES NO CUMPRIMENTO DE PENA DO CRIME DE TRÁFICO PRIVILEGIADO
- Renato Godoy I. Oliveira
- 10 de set. de 2020
- 4 min de leitura
Na última terça-feira, dia 08 de setembro do corrente ano, a 6ª Turma do STJ, em sede de Julgamento do HC n° 596.603 - SP (2020/0170612-1), embasado nas diretrizes estabelecidas no HC n°143.641 (PLENO) do STF, reconheceu a procedência no mérito, do remédio de natureza coletiva interposta pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, beneficiando mais de 1.000 (mil) presos, condenados pelo Tipo continho do art. 33 § 4º da Lei n° 11.343/2006 (Tráfico Privilegiado).

Segundo o STF para que se configure o Tráfico Privilegiado, o réu precisa cumprir alguns elementos:
· ser primário: isto é, que não seja reincidente, lembrando que para ser reincidente é necessário que tenha sido condenado definitivamente (com trânsito em julgado) antes da data do fato apurado;
· ter bons antecedentes: ou seja, não responda a outra ação penal;
· não se dedique às atividades criminosas integrando organização criminosa: não esteja envolvido na "criminalidade", mesmo nunca tendo respondido a um processo criminal.
O entendimento tratado com divergência nos diversos Tribunais Nacionais, impõe em face da natureza hedionda do crime de Tráfico, independentemente da pena, o regime inicial fechado (posicionamento em que resistia várias divergências).
Tal julgamento fora reconhecido por muitos juristas como sendo de muita coragem e impõe correção ao entendimento do judiciário nacional, que por neste caso em específico, decretavam regime inicial de cumprimento de pena incondizente com a pena prevista na condenação.
Merece ser transcrito trecho do Acórdão cujo HC estava sob a Relatoria do Min. Rogério Schietti, que nos conduz a uma reflexão profunda sobre o sistema jurídico:
(...)
3. Há anos são perceptíveis, em um segmento da jurisdição criminal, os reflexos de uma postura judicial que, sob o afirmado escudo da garantia da independência e da liberdade de julgar, reproduz política estatal que se poderia, não sem exagero, qualificar como desumana, desigual, seletiva e preconceituosa. Tal orientação, que se forjou ao longo das últimas décadas, parte da premissa equivocada de que não há outro caminho, para o autor de qualquer das modalidades do crime de tráfico – nomeadamente daquele considerado pelo legislador como de menor gravidade –, que não o seu encarceramento.
(g.n)
Pela disposição, verifica-se a dura colocação do reconhecimento de uma política estatal nas palavras do Relator, quais sejam, DESUMANA, DESIGUAL, SELETIVA E PRECONCEITUOSA, que impõe o encarceramento àquele que cometeu crimes de menor gravidade, ainda que na modalidade em análise de tráfico ilícito de entorpecente.
Noutro trecho da decisão, se menciona posicionamento do Ministro do STF Gilmar Mendes, no tocante à Liberdade Provisória alvo do HC n° 104.339 (Pleno) STF, onde se verificou que o Crime de Tráfico Privilegiado, não justificaria a prisão preventiva, uma vez que não cumpriria os requisitos do art. 312 do CPP (Código de Processo Penal), senão vejamos:
Em decorrência dessa interpretação, que sobreleva os princípios da presunção de inocência e da individualização da pena, a natureza não hedionda do crime em exame desautoriza prisão preventiva sem a análise concreta dos requisitos do art. 312 do CPP (HC n. 104.339, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Gilmar Mendes, DJe 06/12/2012), afasta a proibição, prevista art. 44 da Lei 11.343/2006, de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos (HC n. 97.256, Tribunal Pleno, Rel. Ministro Ayres Britto, DJe 15/12/2010), e impõe, portanto, tratamento penal com "contornos mais benignos, menos gravosos, notadamente porque são relevados o envolvimento ocasional do agente com o delito, a não reincidência, a ausência de maus antecedentes e a inexistência de vínculo com organização criminosa" (HC n. 118.533, Tribunal Pleno, Rel. Ministra Cármen Lúcia, DJe 19/9/2016).
(g.n)
De acordo com a Revista Juridica Digital CONJUR www.conjur.com.br, vários juristas comemoraram a decisão, considerada justa a razoável, merecendo atenção a posição dos Juristas Fábio Tofic Simantob, que disse:
decisão acertadíssima. Um remédio amargo para uma doença crônica. Que esta decisão possa servir de paradigma para um novo olhar na observância da jurisprudência dos tribunais superiores, sobretudo no que toca ao direitos e garantias individuais.
(g.n)
Para Hugo Leonardo Presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD):
a decisão do STJ corrige um sistemático descumprimento da lei, da constituição e dos precedentes dos tribunais superiores por parte dos tribunais estaduais, em especial o TJ paulista.
A imposição de penas ilegais é um fetiche punitivista antigo. A idiossincrasia do regime fechado nos casos de tráfico privilegiado é exemplo acabado dessa hipótese! A função da justiça é preservar os direitos e garantias individuais e respeitar as decisões dos tribunais superiores, ainda que dela se discorde. É tempo de se reconhecer que o seletivismo penal e o punitivismo anacrônico do poder judiciário contribui maciçamente para o aumento da desigualdade social e para a perene marginalização das vítimas preferenciais do sistema de justiça criminal. Oxalá os tribunais superiores despertem para a solução desses problemas de forma coletiva.
(g.n)
A decisão embora não forme posicionamento inatacável do STJ que possui na competência criminal além da 6ª Turma a 5ª Turma, constitui marco a ser seguido como norte jurisprudencial aos demais Tribunais do País.
Autor: Renato Godoy Inácio de Oliveira
Referências:
CONJUR: < https://www.conjur.com.br/2020-set-08/stj-proibe-tj-sp-aplicar-regime-fechado-trafico-privilegiado>Acesso: 10/09/2020 às 7:00h.
STJ: http://www.stj.jus.br/sites/portalp/Inicio Acesso: 10/09/2020 às 7:22h.
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